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| PHOTO: MIT NEWS |
Amor não
correspondido
Será que nos sabotamos a nós próprios quando temos a sensação de que fazemos tudo de forma correta e mesmo assim tudo corre mal?? Para buscarmos na culpa a explicação para o falhanço? Pois torna-se mais fácil aceitar, e aceitar mascara as dores da injustiça e da descrença. Querem-se respostas às perguntas. Apenas se pode melhorar se houver o que melhorar. Quando, no fundo, sabemos que por vezes não há como alcançar o que arduamente buscamos: A reciprocidade de um amor não correspondido. Não é uma questão de perfeição, porque o amor engloba falhas e imperfeição. É uma questão de simbiose de incertezas, receios, estímulos, virtudes, falhas e tantas coisas mais. Uma simbiose de almas, que é reconhecidamente abstrata e imanipulável. Esse é o mais gasto e dos mais funestos problemas da felicidade humana. Mais que por egoísmo e ciúme que nascem em todo o parto, mas por impotência, porque não há como lutar e evoluir por um sonho inacessível, e aceitar torna-se o único passo moralmente plausível. Há quem fuja e procure na distância e no tempo a melhor das (in)soluções. Encontrar outro farol perdido e esperar que sejamos simultaneamente a sua bússola e o seu náufrago. Repetir o processo. Uma das grandes questões que me assola é: Será realmente repetível?? Por experiência alheia, concebo que pode de facto ser alegremente reprodutível. No entanto, fica-me sempre qualquer escondida sensação de amargurante plágio. Mas que importa?? Eu sei que a felicidade amorosa pode ser renovada. O que me leva sempre a outras dúvidas individuais: Se, nesse caso, terá sido realmente amor, ou se serei infortunadamente diferente de todo o resto. Bem bem no fundo, já corroborei a primeira questão e já rejeitei a segunda. São apenas o medo e a cobardia em arriscar e gorar que me retraem essas respostas, porque o falhanço é tudo o que tenho conhecido.
Pouco importa se o amor pode ou não ser igual, e acredito
piamente que nunca o seja, mas o que importa é que o amor pode, em condições
muito minuciosas e especiais, nascer de novo e existir diferenciado, assim como
resgatar os sorrisos sequestrados. Tal como uma mãe pode amar dois, três ou
quatro filhos. Mesmo para mim terá de ser possível, porque descobri que, em
terra de humanos, afinal não sou divino.
Receita da solidão
Primeiro, começa qualquer sinal de fascínio. Uma abordagem,
depois de tomada a coragem. Quando se é correspondido, depressa se torna
hipnotizante. A prioridade, os risos que provoca e experimenta, a companhia. A
quem se secou as lágrimas. Seguem-se as promessas, palavras carinhosas.
Pensa-se que finalmente se encontrou a pessoa. Mas o compromisso assusta. De
repente, os sinais vão emergindo. Estranheza, estrangeira. Silêncios que não
proferia, palavras encurtadas, respostas arrefecidas. É hora, é hora de
perceber que começam a surgir outras pessoas e interesses. Vai-se desvanecendo,
vai indo. Já não és o que eras. E assistes, porque é tudo o que podes fazer. E
percebes, carregando a mágoa junto da racionalidade. Tu sabias que iria
acontecer, e tu sabes que é um comportamento normal. E sabes que sabendo, que
doendo, também tu mudarás, que te tornarás ainda mais pontinho. Tu sabes, tu
vês, mas tu seguiste o teu coração desesperado outra vez. Será difícil largar,
porque os amigos nunca se largam. É então que questionas a definição de
amizade, que requer sempre reciprocidade. É a custo que o vento nos levará, mas
levará. E ficará a certeza de que nunca esquecerás, e que estarás sempre longe
como uma ajuda cautelosa e silenciada. Mas lá estarás. Nada irá resgatar os
velhos tempos, estarás mudo, a pensar no passado, estagnado. No fim, no vazio,
sentirás a sua falta, a culpa incomodará, mas saberás ao menos que tudo
tentaste, e que as palavras foram genuínas.
Porque são precisos sempre dois.
Vem destruir-me
Vem. Vem apresentar-me a melhor versão de mim, e vamos
apaixonar-nos por ela e por ti.
Consegues vê-la, essa versão? Porque só contigo consigo
mostrá-la, remover o entulho para as raízes prosperarem. Consegues vê-la?
Consegues esperá-la? Consegues amá-la?
Eu pensei que sim, ingénuo e virgem da vida. Achava mesmo
que seria assim tão fácil? E então, num dia distante em que não escorrer mais
sangue e suor cardíaco, tornas-te no adulto que não conhece mais da mesma forma
o amor. Aquele que sentiste e selaste, o teu alimento.
Tornas-te o adulto de birra. Se não existe como o senti,
também não o quero. Preciso, mas recuso-me, não quero.
Na insípida esperança de num velho dia encontrar a redenção
para o passado em carne e osso, destruo-me cada vez mais, até deixar de
existir.
O meu fantasma
Serás eternamente o fantasma que me irá visitar nas
madrugadas mais solitárias e cansadas. Mas cabe-me a mim transformar o mau
fantasma em bom, porque tudo nele vem do que senti. Pela pessoa que já não
existe e se calhar nunca existiu, mas que me transformou e agora assombra.
Nunca partirás, pessoa que não existe, mas talvez isso seja positivo, e a prova
de que só quem vive vê fantasmas.
Sê tu próprio
Só quem partilha do teu intelecto se sacia da tua arte. Só
quem partilha da tua ilusão se engana pela tua pretensão. Sejas sábio ou um
tolo, o que importa é que encontres o teu espelho.
Charlie S. Dias
