sexta-feira, 19 de abril de 2019
Perante o cenário apocalíptico que assolou o país, pergunto-me de que
forma o RAP explorará esta crise para o seu programa de Domingo, o comentário
no Governo Sombra, a crónica da Visão ou até a próxima Mixórdia de Temáticas.
Porque com certeza que o fará - nalgum destes espaços, pelo menos. E é assim que
lamento especialmente o facto de não ter havido mixórdia nesta semana, porque
daria um excelente tema, quando o assunto estava na berra. E é assim que, mais uma vez,
imaginei Nicolau Pintassilgo e mais uma mixórdia com as vozes dos locutores na
minha cabeça. Felizmente que já tudo acabou e todos sobrevivemos a este caótico início de semana.
Pedro: Muito bom dia, caros ouvintes. Hoje tenho a anunciar que voltamos
a receber o senhor Nicolau Pintassilgo, para debater esta falta de combustíveis
no país.
Nicolau (RAP): Bom dia. É sim, Pedro, é sim... Obrigado pelo convite.
Pedro: Como está a viver com isto, senhor Nicolau?
Nicolau (RAP): Olhe, como acha? NÃO HÁ GASOIL! Isto não é
brincadeira! O meu trator está na reserva, já não posso sair da garagem. A
minha Florinda já não vai conseguir ir às compras, que vão-se acabar as carreiras. NÃO HÁ GASOIL!
Vasco: Então como veio para aqui?
Nicolau (RAP): Ainda arranjei uma carreira, mas isto vai acabar, amanhã está tudo parado já. E tanta trotinete que vi aí também sem gasolina pelos passeios no caminho, nem lhe conto, é uma desgraça! Aliás, a menina do trânsito, que falou agora há bocadinho... coitada da menina... isto ela vai para o desemprego, porque isto vai parar tudo, isto...
Vasco: Calma, não vai chegar a tanto! Basta poupar durante uns dias. E se a distância for curta, andar a pé também não faz mal a ninguém!
Nicolau (RAP): Ah, ai é, ai é...? E as minhas artrites, oh Vasco? E as
minhas artrites? Também podem andar um bocadinho a pé, é? É?
Vera: Então e o senhor Nicolau, o que pretende fazer quanto a isto?
Nicolau (RAP): Olhe, não sei... Já fui ao médico e aquele sacana...
Vera: Não... em relação à falta de combustível!! O que tenciona fazer quanto a isso?
Nicolau (RAP): Ora, eu já estou a tomar medidas, como é óbvio. Quem me
conhece sabe...
Markl: Claro, claro...
Nicolau (RAP): Isto mal ouvi que iam fazer greve, eu previ logo isto, que
eu não sou parvo. E de maneiras que fui logo comprar óleo de fritar batatas.
Nisto, chego a casa com 7 garrafões, que nem lhe conto como e onde os tive de
levar, e pergunta a mulher: “Atão home, que vaix fritar tu? Estás com saudades
dos meus pastelinhos de bacalhau?”. E nisto eu respondo: "Não sejas parva,
mulher, isto é para atestar o trator e para vender aos mais necessitados".
Pedro: Então mas isso não dá cabo do motor? E não fica um cheiro
horrível?
Markl: Frita o motor...
Nicolau (RAP): Olhe, isso eu não sei... Mas antes ficar a cheirar a frito
que ganhar bolhas nos pés, não é?
Vasco: Mais uma vez: Não está a exagerar!? Para a
semana já deve tudo estabilizar.
Nicolau (RAP): Lá está o Vasco... Lá está ele... (Indignado). NÃO HÁ
GASOIL, homem! Como as pessoas vão para o trabalho? E como vão à missa no
Domingo de Páscoa, e comprar o cabritinho?
Vasco: Olhe, os transportes públicos devem ficar assegurados.
Nicolau (RAP): Mas não, não ficam...não... Isso é o que eles dizem... Sabe as filas
que andam nessas bombas? Sabe quantas horas o meu prime teve de esperar na fila
do gasoil? Três horas, e depois já só podia pôr 15 litres, já viu? 15 litres!!!
Vera: Era o seu primo Ramiro, que esteve na fila?
Nicolau (RAP): Não, o Ramiro, coitado, continua no estrangeiro... Vem cá para a Páscoa, veja lá. E
vai na volta depois não tem avião para voltar!! Ele quis trazer-me gasoil lá de
Inglaterra, quéque não deixam viajar com fluídos, os malandros. A gente precisa
de ajuda humanitária e não deixam. (Preocupado)
Pedro: Realmente, a situação está complicada...
Nicolau (RAP): Está pois, está! E nomeadamente, eu já mandei a minha Florinda ir cavar buracos lá no quintal para ver se encontra petroil, porque isto assim
não pode ser, a gente morre...
Vasco: Olhe, eu cá nem tenho carta. Se os carros pararem, não me queixo.
Nicolau (RAP): Ah pois, mas depois quando faltar a comida nos
supermercados, quero ver. Ou quando os aviões tiverem de andar a óleo Fula e se
se escangalharem no ar, quero ver depois, quero... (Revoltado). Olhe, olhe, olhe, e a rádio comercial, olhe... “Em casa, no
carro, em todo o lado.” Pois... é no carro é... Só se for enquanto espera na fila! Pois... “não me queixo...”, olha este, olha...
Markl: Por acaso estou com o senhor Nicolau, isto vai afetar toda a
gente, mesmo quem não anda de carro. Estou consigo, senhor Nicolau!
Nicolau (RAP): É, pois é... Isto no 13 de Maio vai ser só peregrinos. O
meu outro prime, o Zé Manel, nem 15 litres conseguiu. Foi uma desgraça.
Vera: O que aconteceu?
Nicolau (RAP): Olhe... escute... ele disse-me: “Estou na reserva e tenho de
ir pôr gasolina”. E então ele andou andou andou as terras todas e... nada. Até que
depois ficou sem gasolina, e prontes... Teve de empurrar o carro e de maneiras
que atravessou uma ravina e agora está a tratar dos papéis do seguro, não
é? E teve de ficar lá apeado.
Pedro: Então e o homem não chamou o reboque e por ajuda?
Nicolau (RAP): Claro que chamou, oh senhor Pedro, claro que chamou, mas eles não tinham combustível. Parece
que falo chinês. NÃO HÁ GASOIL, isto NÃO HÁ GASOIL! (Indignado/Apreensivo)
Vera: Coitado do seu primo.
Nicolau (RAP): Eu tentei ajudar, eu tentei. Fui e mais o meu vizinho no papa reformas dele, para ir buscar o Zé Manel, quéque aquilo também já anda pouco, e chupa chupa que se farta... o papa gasolinas. Mas lá chegámos à bomba mais próxima, e nisto reparámos que nos tínhamos esquecido do cartão Continente, que dá desconto. E nisto
alertei: “Alto lá! Assim não, que a mim não me roubam!”. E ligámos ao meu cunhado Tó
para me ir levar o cartão, mas acontece que ele estava sem gasolina na lambreta, e também não pode da perna, derivado às varizes, e aquilo incha e incha e não pode, não pode... O Tó é assim meio que deficiente das pernas... Então lá tivemos de voltar para buscar o
cartão para depois abastecer. E não é que... não é que... quando regressámos, esperámos duas horas e depois já não havia gasolina? Isto não há direito! O Zé Manel lá teve de dormir no mato nessa noite, e jantar pinhões. (Preocupado)
Markl: (Ri-se). Sabem que ouvi dizer que o Vin Diesel está a passar férias em Portugal, e virou Sin
Diesel?
Nicolau (RAP): Não brinque Nuno, não brinque! Eu vou-lhe dizer... isto
está o pandemónio dos diabos, nunca tinha visto tanta gente de mangueira na mão ao mesmo
tempo.
Markl: É toda a gente a salvar-se como pode. Quem está perto da fronteira
é que está bem.
Nicolau (RAP): Já pensei ir abastecer um bidom a Espanha, pensei... mas quem me dá boleia sem ficar “empanado” em Elvas?
Por falar em panados... lembra-me que ainda tenho de ir comprar mais
óleo a seguir, porque não dura uma semana assim.
Pedro: Mas sabe que ainda há gasolineiras com combustível, e está um site
disponível onde pode consultar?
Nicolau (RAP): Sei, sei... mas aquilo é trapalhice, aquilo é aldrabice, não resulta.
Já mandei o meu Rúben - o meu neto - ir lá botar no site que não havia combustível lá na bomba da junta
de freguesia, e mesmo assim aquilo tem fila até ao monte. Não, não... (Desconfiado)
Vera: A ideia é usar o site para informar e saber onde ir abastecer, não para
enganar as pessoas, senhor Nic...
Nicolau (RAP): (Interrompe) ...Não,
não... (Ainda desconfiado). Isto é o fim, isto não sei, não...
O meu prime Ramiro é que faz bem, tem lá um carrinho elétrico em
Inglaterra, mete na ficha durante a noite e oh, maravilha...
Pedro: Muito bem, fica então o registo do senhor Nicol...
Nicolau (RAP): (Interrompe) ... Ou então é ir cavar para o Algarve, que diz que há lá petroil...
Vasco: Deixe lá acabar a mixórdia, homem! E não se diz “gasoil”, nem
“petroil”, é “gasóleo” e “petróleo”, por amor de deus...
Nicolau (RAP): É, é... "Acabar a mixórdia"... (Melindrado). Está é feito com o governo, você, não
sofre com isto... É tudo feito para as elites, é o monopoil a funcionar...
Vasco: Desisto...
Fim
Charlie S. Dias
