Assisto ao festival da Eurovisão desde 2006, ainda que nem sempre da forma mais atenta ou assídua, sobretudo nos meus primeiros anos de espetador. Muitas canções, interpretações, cenários ou até guarda-roupas permanecem na nossa memória. Outras vezes, misturam-se, adulteram-se, desvanecem ou desaparecem mesmo por completo. Ao longo de anos de acompanhamento, vão-se estabelecendo na nossa mente padrões e opiniões gerais acerca de cada país participante, de forma mais ou menos correta. Nesta rubrica irei recuar no tempo, às participações de vários países na Eurovisão, desde 2006, destacando as minhas principais recordações e preferências ao longo desta retrospeção. No final, poderei comparar a ideia pré-estabelecida que tinha das edições passadas com as conclusões que retirei desta minha viagem do passado ao presente.
A Rússia na Eurovisão remete-me a uma identidade musical
russa vincada, mesmo que por ventura cantada em inglês. Talvez seja apenas
algum tipo de sotaque, mas fica a ideia de uma sonoridade russa característica.
O mesmo se poderá dizer do estilo musical, qualquer que seja, que parece
sempre ter aquele toque russo difícil de descrever. Com uma presença regular em
finais, engloba um pouco de tudo no meu imaginário, desde as canções mais
inusitadas, às tradicionais ou mais genéricas. Das canções mais banais, às potenciais vencedoras...
2006
Dima Bilan - "Never Let You Go" – 2º lugar
Uma canção bastante dançável e que fica no ouvido. Não foi
por acaso que ficou em segundo lugar, apenas atrás dos Lordi. O pop russo
conquistava o público e, provavelmente, também os meus ouvidos ainda muito novos
e algo desatentos. A melodia não me era nada estranha, e após anos revi a
atuação por algumas vezes.
2007
Serebro - "Song # 1" – 3º lugar
2008
Dima Bilan - "Believe" – 1º lugar
Apesar de ter sido provavelmente o primeiro festival da
Eurovisão a que realmente assisti com mais atenção, lembro-me perfeitamente desta
atuação, não fosse a canção vencedora. A canção pop, um pouco ao estilo de 2006,
mas mais intimista, intensa e com o salto qualitativo necessário para a
vitória. Desta vez, Dima Bilan juntava-se a um coro magnífico, com violinos à mistura.
Toda a performance do trio central é marcante: o vocalista
todo vestido de branco, descalço e ajoelhado, que acaba por abrir a camisa perto
do fim; o violonista “maluco” de cabelo comprido; e o extravagante bailarino
patinador, de clara aparência russa, a esvoaçar os seus longos cabelos em redor
dos seus colegas.
Um primeiro lugar memorável e muito merecido.
2009
Anastasia Prikhodko - "Mamo" – 11º lugar
A extravagância e originalidade de ter ecrãs gigantes no
fundo do cenário com o rosto da vocalista a envelhecer, parece cutucar algures nos recônditos da minha
memória. Percebe-se porquê.
2010
Peter Nalitch & Friends - "Lost And Forgotten"
– 11º lugar
Ao rever esta atuação, o que me surge na memória primeiro é
a aparência modesta do vocalista. Depois, que talvez fosse uma daquelas
canções que não achava má em competição, no longínquo ano de 2010. Ao ouvir a
canção muitos anos depois, de estilo que me lembra o indie, confirmo que é uma
canção melódica e agradável de se ouvir.
2011
Alexej Vorobjov - "Get You" – 16º lugar
2012
Buranovskiye Babushki - "Party For Everybody" – 2º
lugar
Esta atuação é daquelas que simplesmente não se esquece! As famosas
babushkas, as avozinhas aparentemente vindas diretamente de uma qualquer aldeia
remota da Rússia, com os seus trajes tradicionais, cozinhando o pão e dançando,
são candidatas a uma das atuações mais fofas de sempre na Eurovisão. As vozes
sincronizadas e a bonita melodia tipicamente russa transformam-se subitamente
num refrão surpreendente, parcialmente num inglês curto e bastante trauteável
que, realmente, mete qualquer um a dançar. Toda a interpretação torna esta
canção num ícone da Eurovisão, e não é por acaso que alcançou o segundo lugar da competição.
2013
Dina Garipova - "What If" – 5º lugar
2014
Tolmachevy Sisters - "Shine" – 7º lugar
2015
Polina Gagarina - "A Million Voices" – 2º lugar
Ao rever a atuação e relembrando a sua posição final, posso
concluir que torcia para que não fosse a vencedora de 2015 naquela noite. Uma
canção agradável, poderosa e com uma grande intérprete, mas que na altura não
me conseguiu cativar particularmente e que desvaneceu quase que por completo da
minha memória, possivelmente face à concorrência de peso.
2016
Sergey Lazarev - "You Are the Only One" – 3º lugar
Ao contrário do que acontecia no ano anterior, esta canção poderia muito bem
ter vencido a sua edição, aos meus olhos. Sergey Lazarev apresenta mais uma vez, por parte da Rússia, a receita de uma excelente canção pop dance, à qual junta uma coreografia em interação magnífica com o
cenário de fundo digital. A canção marcou-me de tal forma que tinha de ser incluída em playlists pessoais que faria nos anos
seguintes, permanecendo assim facilmente no meu baú de memórias da Eurovisão.
Seria um digno sucessor de Dima Bilan, com um estilo com
algumas semelhanças.
2017
Julia Samoylova – “Flame Is Burning” – Não pôde participar na edição realizada na
Ucrânia, por motivos políticos
2018
Julia Samoylova - "I Won't Break" – Não se
qualificou para a final
2019
Sergey Lazarev - "Scream" – 3º lugar
Longe de me ter cativado como a sua participação de 2016,
posso recordar-me que, mais uma vez, torcia para que a canção russa não chegasse ao primeiro
lugar nesse ano, tendo ficado depois esquecida no tempo. Desta vez, realmente ao estilo
da saudosa atuação vencedora de Dima Bilan, Lazarev apresenta-se igualmente todo
vestido de branco e com uma música intensa e dramática. O cenário, com
o qual permanece interagindo, ainda que de forma menos direta, é escuro e
remete a tempestades que acentuam a carga desta poderosa canção.
2020
Little Big - "Uno" – Eurovisão foi cancelada
devido à Covid-19
2021
Manizha - "Russian Woman" – 9º lugar
Relembro esta participação russa como uma das atuações mais interessantes em prova na final. Mais uma vez, a atuação junta elementos de
surpresa e características bizarras na Eurovisão. A intérprete começa dentro de um
enorme vestido típico russo, quase como que encarnando uma matrioska, e canta numa espécie de rap lento e tradicional, até finalmente abandonar o seu vestido gigante e
o rap se tornar mais enérgico. No refrão, a melodia muda drasticamente para uma
versão mais poderosa e que remete bastante às tradições russas, quer através da
sonoridade, quer através do cenário de fundo que se alinha em sintonia com esta
mudança. Uma canção definitivamente facilmente recuperável na memória ao ser
revista.
2022
Proibida de participar na Eurovisão pelo conflito na Ucrânia.
Analisando em retrospetiva as participações russas desde que assisto à Eurovisão, devo salientar os extraordinários resultados que tem alcançado, muito superiores à primeira impressão que tinha em mente. Conquistou sete lugares no pódio, um dos quais o primeiro lugar! Possivelmente essa pequena discrepância nas minhas lembranças se deva a algumas participações russas que, com excelentes pontuações, excediam bastante a minha avaliação pessoal. Hoje, é justo reconhecer que, no geral, a Rússia apresentou quase sempre canções bastante fortes, por uma ou outra razão. Contudo, as participações russas de 2008 e 2016 foram claramente as mais marcantes para mim.
No que diz respeito aos estilos musicais apresentados e às
performances artísticas, confirmam-se a variabilidade, a originalidade e a
surpresa existentes, juntamente com um certo carácter identitário vincado em muitas das
atuações.
Ficam também marcadas as ausências deste “peso pesado” da Eurovisão por
duas ocasiões, em consequência do conflito duradouro com a sua vizinha Ucrânia.
Numa única palavra, poderia certamente avaliar globalmente participações Russas na Eurovisão como "surpreendentes".